Disciplinar é domesticar?

 

Prólogo

            Na oportunidade dessas postagens, por vezes alternadamente à abordagem de tópicos voltados com maior ênfase ao Ensino (área a que endereçaremos o tratamento de teorias e metodologias de ensino-aprendizagem), volvendo-nos a atenção à temática da Gestão de alunos teceremos comentários sobre passagens específicas do livro (In)Disciplina, de Celso dos S. Vasconcellos (2016).

            Enquanto o conteúdo das considerações não se preocupará com justificativas para além de pareceres extraídos da opinião daquele que vos escreve tecidos segundo uma lógica e sensatez minimamente aceitáveis, a forma transluzirá uma tentativa de compreensão do ponto de vista do autor do livro manifesto no excerto em análise, mesclada com a perspectiva do autor desse blog, ora distanciando ora afastando-me como é natural em qualquer diálogo entre duas pessoas.

 

Disciplinar é domesticar?

 

“[…] disciplinar corresponde a adequação à sociedade existente; significa, pois, inculcação, domesticação, resignação à exploração etc.” (p. 46)

 

            O autor vincula a problemática da disciplina, comumente tratada sob os parâmetros do contexto escolar, ao debate maior e mais amplo da luta de classes instaurada pelo modo capitalista de produção, o qual divide a sociedade em basicamente dois grupos: a burguesia, composta pelos donos dos meios de produção, e o proletariado, detentores unicamente da força de trabalho, vendida aos primeiros como exclusiva alternativa de sobrevivência, sendo por isso mesmo vorazmente explorados.

            O sistema, regido por eles, pelos dominadores, opressores, governa, administra, age, mobiliza-se sempre em favor de seus próprios interesses egoístas, visando ao máximo lucro, manutenção do poder e perpetuação do estado de coisas. Desse modo, o ato de disciplinar, compreendido segundo o que eles apregoam, passa a corroborar suas ideias, adequando os indivíduos à sociedade preexistente, domesticando-os para que se portem de forma a não oferecerem qualquer resistência à exploração perpetrada pelos opressores.

            Essa, ao que nos parece, é a visão do autor CSV; e não apenas dele, como partilhada por grande número, para não dizer todos quantos se autodenominam comunistas, esquerdistas, ou simpatizantes do sistema de ideias existente desde tempos remotos, porém com maior diligência formalizados por Karl Marx. Não cabe a mim emitir juízo de valor sobre tais concepções, até porque nada em si é por completo abominável; mas necessário se faz dizer que o autor deste blog não se adequa a qualquer linha de pensamento ideológico-política secular, senão com todo cuidado preocupa-se, no que tange a esse espectro, em tão somente não se desviar para a esquerda nem para a direita, mas apenas manter o movimento em linha reta – em que pese as muitas forças externas.

            É verdade que as influências do sistema capitalista não se restringem ao escopo financeiro-econômico, mas perpassam os meandros das relações sociais mais íntimas; igualmente não se pode negar que o proletariado e a burguesia quase sempre possuem interesses dissonantes. Mas quando o autor CSV afirma que disciplinar, de acordo com as noções comuns, configura-se em ato de domesticação das classes desfavorecidas em benefício da manutenção do estado de coisas, sou instado a perguntar: Quem está por detrás disso tudo? Se responderem “a burguesia”, indagarei: Toda a burguesia? Se não, quem é o burguês que maquina planos os mais nefastos contra a sociedade e em favor de si e de sua classe? Os burgueses se reúnem na calada da noite para discutirem seus ardis?

            Tudo se passa como se tratasse de uma luta do bem contra o mal, mas o fato é que não há mocinhos em nenhum dos lados. O que se observa é apenas uma necessidade inerente a todo ser humano de justificar os próprios defeitos apontando os do outro.

            Seja como for, estejamos enviesados ou não por esta ou aquela linha de pensamento ideológico-política, enquanto professor de Escola Básica de Rede Estadual de Ensino não consigo vislumbrar tentativa real de solução dos conflitos tão presentes em sala de aula ao me defrontar com uma redefinição de disciplina ao extremo tendenciosa quanto esta apresentada: atribuindo ao professor médio uma noção de disciplina como resignação à exploração perpetrada por uma suposta burguesia. E pensar que, ingenuamente, tudo o que queria, durante o meu trabalho, no mais das vezes era que a sala de aula estivesse organizada, que os alunos prestassem atenção às explicações e com elas aprendessem, que participassem e emitissem pareceres sempre que oportunizados pelo regente, e que a interação civilizada e harmoniosa prevalecessem em busca do engrandecimento intelectual, emocional e social.

 

Vasconcellos, Celso dos Santos. (In)Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola, 20ª ed. São Paulo: Libertad Editora, 2016. – (Cadernos Pedagógicos do Libertad; v. 4)

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